Julgamento do caso Mariana na Inglaterra entra em recesso de fim de ano com evidências contundentes contra a BHP

Julgamento do caso Mariana na Inglaterra entra em recesso de fim de ano com evidências contundentes contra a BHP
Publicado em 26/12/2024 às 18:41

O julgamento na Inglaterra que analisa a responsabilidade da BHP pelo colapso da barragem de Fundão, em Mariana (MG), entrou em recesso de fim de ano. As audiências, que serão retomadas em 13 de janeiro, apresentaram evidências graves sobre falhas de governança e omissões de segurança da companhia. Documentos e depoimentos de diversas testemunhas mostraram que a BHP já tinha ciência dos riscos de rompimento desde 2014, mas não implementou evacuações preventivas em Bento Rodrigues, mesmo sabendo que uma ruptura inundaria a área em menos de 10 minutos. Estimativas internas da empresa, mostradas no tribunal, previam até 100 mortes e um impacto financeiro inicial de US$ 200 mil por vítima.

Desde o início das sessões, em 21 de outubro, o processo coletivo — movido por cerca de 620 mil vítimas que buscam indenizações de até R$ 230 bilhões — trouxe à tona a influência direta da BHP na governança da Samarco e no gerenciamento das barragens. Testemunhas e especialistas descreveram como a Samarco operava as barragens muito acima dos limites de segurança aceitos na indústria. Em 2013, o Dr. Andrew Robertson – especialista em barragens de rejeitos – levantou preocupações de que a Samarco havia “levado a barragem a limites de tolerâncias operacionais que estão além do que considero apropriado. E continua fazendo isso”.

As audiências também revelaram a ausência de um plano de evacuação adequado em Bento Rodrigues, mesmo após preocupações levantadas em 2013, e que a Vale despejava rejeitos em volumes dez vezes superiores ao acordado com a Samarco. Um ex-engenheiro da BHP admitiu ter conhecimento de rachaduras na estrutura em 2014, mas não houve ação suficiente para prevenir o colapso.

Além das falhas operacionais, os depoimentos destacaram o controle estratégico da BHP sobre a Samarco, incluindo auditorias, decisões operacionais e práticas de remuneração. Apesar de lucros substanciais gerados pela Samarco – com dividendos de US$ 3,7 bilhões entre 2009 e 2012 –, a resposta da BHP ao desastre priorizou a proteção de sua reputação em detrimento de uma compensação justa às vítimas. Direito brasileiro na Corte inglesa Em relação à abrangência da ação, uma das principais discussões se deu pela tentativa da mineradora em convencer a Corte de que possam permanecer na ação apenas atingidos que ajuizaram a ação até 2018, três anos após a tragédia. Ré no processo, a BHP insistiu, durante 26 minutos de uma das sessões, que até mesmo incapazes que possuam curador possam ter seu direito de acesso à justiça negado por conta dos prazos prescricionais por ela entendidos. Somam aproximadamente 6 mil os atingidos portadores de deficiências físicas, visuais, auditivas ou mentais que são parte da ação na Corte da Inglaterra.

No dia 27 de novembro, os peritos Ingo Sarlet (indicado pelos requerentes) e Gustavo Tepedino (indicado pela BHP) foram ouvidos a respeito da legitimidade de municípios brasileiros litigarem em cortes estrangeiras. Foi dito na Corte que a BHP financiou uma ação paralela no Supremo Tribunal Federal (STF), a ADPF 1178, por meio do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), com o objetivo de remover os municípios da ação inglesa. A alegação formal é a de que o processo na Inglaterra representaria uma ameaça à soberania do Brasil.

Em julho, a Corte de Londres emitiu uma liminar para impedir que a BHP auxiliasse e financiasse a ADPF no STF. Sarlet afirmou que não há nada na legislação brasileira que impeça os Municípios de iniciarem processos perante tribunais estrangeiros. O ajuizamento de ação de indenização em juízo estrangeiro, apontou, não é ato de soberania e, de acordo com a jurisprudência do STF, a imunidade de jurisdição é relativa e não se aplica aos atos de gestão.

Tepedino, por sua vez, afirmou que o ajuizamento de ações no exterior é, por si só, um ato soberano e qualquer tipo de submissão a um tribunal de outro país soberano implicaria a renúncia à imunidade de jurisdição. Quando questionado se essa é uma posição isolada, o Professor Tepedino admitiu que não analisou se outros países proíbem seus órgãos governamentais locais de litigar no exterior.

Em sessão do dia 18, Tepedino afirmou que a Justiça brasileira é “cheia de falhas”. O jurista ainda citou que o sistema brasileiro gera insegurança ao investigar casos envolvendo “falsas denúncias de racismo e antissemitismo” e lidando com a criatividade de advogados e vítimas que se aproveitam do desastre para criarem subespécies de danos.

A fala de Tepedino chamou a atenção por contrariar o discurso que a mineradora anglo- australiana adotou nos últimos meses, de que as instituições de justiça brasileiras seriam capazes de proporcionar justiça às vítimas por meio do acordo de repactuação firmado.

Nas discussões sobre direito societário, especialistas em Direito Societário também ressaltaram a responsabilidade dos controladores em casos como o da Samarco. Viviane Muller Prado, perita dos reclamantes, argumentou que acionistas em grupos de controle podem ser responsabilizados individualmente por abusos de poder e que a responsabilidade social corporativa deve ser uma prioridade nesses casos. Já Marcelo Fernandez Trindade, perito dos réus, reconheceu que os acionistas controladores devem respeitar a função social da empresa, embora tenha defendido um foco na governança interna.

As discussões sobre responsabilidade civil também incluíram a teoria do risco e benefício, destacada por Nelson Rosenvald, perito dos reclamantes. Ele afirmou que quem lucra com atividades de risco deve arcar com os danos causados e ressaltou que os direitos das vítimas, incluindo reivindicações sobre qualidade de vida e turismo, estão protegidos pela legislação brasileira e não estão sujeitos à prescrição em casos de danos contínuos. As próximas audiências, daqui a três semanas, terão especialistas em Direito Ambiental e questões técnicas. A expectativa é que as alegações finais sejam apresentadas em março, com a sentença prevista para meados de 2025. As vítimas seguem confiantes na busca por justiça pelo maior desastre ambiental do Brasil.

Cronograma do julgamento:

•⁠ ⁠20/12 a 13/01/25: Recesso da corte inglesa;

•⁠ ⁠13/01 a 21/01: Vão ser ouvidos especialistas em Direito Ambiental brasileiros;

•⁠ ⁠22/01 a 29/01: Vão ser ouvidos especialistas em questões geotécnicas;

•⁠ ⁠29/01 a 19/02: Preparação dos argumentos finais das partes envolvidas no processo;

•⁠ ⁠20/01: As partes devem trocar as alegações finais;

•⁠ ⁠05/03 a 13/03: Apresentação das alegações finais;

•⁠ ⁠A partir de Abril: Divulgação da sentença.

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